Além de violar a lei dos direitos autorais, a cópia de livros transforma as máquinas fotocopiadoras em instrumentos lesivos ao desenvolvimento da indústria cultural do país, afetando instituições de ensino, professores, autores, editoras, livreiros e alunos.
Gladston Mamede*
O pouco apreço que uma parte significativa dos brasileiros demonstra pelo conhecimento se reflete na transformação das máquinas de fotocópias em instrumentos lesivos ao desenvolvimento da indústria cultural no país, num perigoso círculo de desestímulo à produção e reprodução lícita e regular do conhecimento. De norte a sul, uma horda de incontáveis máquinas reprográficas cospem cópias de livros, como que a zombar dos autores, que investem seu dinheiro em livros e seu tempo em estudos, das editoras, que acreditam nos autores e alocam capital na publicação de suas ideias, nos livreiros, que há séculos fazem da distribuição do conhecimento impresso o seu próprio magistério, mais do que a sua profissão.
É muito simples, quase natural, o salto para o crime (e a pirataria de livros é um crime punido com pena de um a quatro anos). Simples e lucrativo. Dentro das próprias escolas, os setores de reprografía muitas vezes produzem antecipadamente livros inteiros, estimulando o aluno a preferir a cópia em vez do original. Alguns dizem que os livros são caros, o que não é verdade. Quem já comprou livros na Argentina, na Europa, nos EUA, sabe que o livro brasileiro é bom e não é caro. Impressiona a qualidade do papel que se utiliza aqui, em contraste com aquele que se vê em livros estrangeiros, bem como o cuidado com a encadernação e com a produção editorial.
A troca de livros por cópias é, no entanto, tola. Não se fazem bibliotecas de fotocópias; quando muito, edificam-se incompreensíveis amontoados de papéis grudentos e/ou empoeirados, nos quais a informação se perde, não pode ser recuperada. Em contraste, os livros que se compram formam uma biblioteca pessoal, item indispensável na vida de um ser humano culto, repertório de soluções e referências às quais se pode voltar sempre que necessário, rememorando, fixando o conteúdo, solidificando o conhecimento. Livros são amigos fiéis, para toda uma vida; deixam-se ficar por anos a fio em nossas prateleiras e, a qualquer momento, brindam-nos com a mesma atenção, com a mesma solicitude, contando-nos todos os seus segredos. Perpetua-se o ensino e a capacitação do leitor, reencartando-o permanentemente no mercado.
O mais curioso, no entanto, é observar a conivência de professores e de instituições privadas de ensino com essa pirataria de livros, algo que é impensável em países desenvolvidos, que há muito aprenderam o valor do conhecimento, protegendo-o adequadamente. Professores são profissionais do saber; investiram tempo e estudo nesse aprendizado e, por detê-lo e transmiti-lo, são remunerados pelo seu trabalho. A mesma estrutura que acompanha o trabalho dos autores de livros. O desinteresse que o professor mostra pêlos direitos autorais é um desinteresse pela lógica do seu próprio magistério: ser devidamente remunerado pela cessão do conhecimento. Vale tudo para reduzir o valor do conhecimento e de sua transmissão regular, ou seja, do magistério, seja presencial, seja impresso. Um círculo vicioso: o professor despreza o livro, permitindo a sua cópia; e pela mesma lógica, alunos desprezam professores, como algumas instituições de ensino desprezam seu corpo docente. A mesma base: o conhecimento - e a capacidade de transmiti-lo - não tem valor.
Maior absurdo, no entanto, é ver instituições privadas se esforçarem para não perceber a reprodução indiscriminada de livros nas reprografias que funcionam em próprias instalações. Posso dizê-lo com tranquilidade, por fazer parte de uma instituição que não se coaduna com essa prática - antes, a reprime veementemente — e que, por resultado dessa postura, teve oito de seus cursos avaliados com a nota A no provão, tornando-a a melhor instituição privada de ensino no país.
O paradoxo da reprodução sistemática de livros nas instituições privadas de ensino é também a desvalorização do conceito de que o conhecimento tem um valor e que se deve pagar pela sua transmissão, princípio que justifica a atuação económica de Universidades, Centros Universitários e Faculdades privadas, tanto quanto das editoras. A mensagem implícita, subliminar, que as instituições privadas de ensino estão transmitindo para seus alunos é que o conhecimento pode ser obtido sem pagamento, seja dos direitos autorais aos autores, dos livros à editoras, das mensalidades às escolas. O aluno percebe, na prática, que sempre haverá um jeitinha para não pagar. As cópias de livros criam uma cultura do cambalacho, da vantagem fácil apesar de ilícita, o que vitima as próprias instituições de ensino e, assim, seus professores.
(*) Professor Titular do Centro Universitário Newton Paiva.
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